sábado, 25 de março de 2017

Uma nova primavera



Hoje acordei com um sentimento de nostalgia. Um dia cheio de sol, um gostoso clima que não exige agasalhos ou roupas sumárias para que fiquemos confortáveis, mas, um estranho vazio na alma. 

Ao levantar vejo o Christian rezando o terço, um hábito intensificado há uns três anos. Olho a beleza da paisagem ao redor com o sol a despontar por trás do morro à frente da casa. Talita e Urânia, as duas cadelas que nos guardam durante a noite, deitadas no gramado. Ao pressentirem a minha aproximação festejam o reencontro matinal com saltos e lambidas.  Seguem direto para o canil como quem solicita o descanso após o trabalho noturno. Sigo-as, troco água, estico o cobertor que forra o canil e fecho a porta.

Ando pelo quintal entre os raios de sol filtrados pela copa das árvores. Vejo o gramado ainda seco, aqui e ali, ponteado de brotos verdes, após as primeiras chuvas redentoras. Sob as árvores, ainda muitas folhas secas e as copas matizadas em verde e ocre, começam a florir.

Volto ao interior da residência para a primeira refeição. Christian já fazia as torradas. Fiz o chá de cidreira fresca colhida no quintal. Por recomendação médica ele precisa evitar a ingestão de leite e café, por conta de uma colite em tratamento. Eu o acompanho na dieta.  
  
De repente, me vejo relembrando nossa trajetória de quase trinta anos, e a sucessão das estações a cada ano. Ao nos conhecermos em outubro de 1987, tivemos um tempo de deixar cair folhas amareladas, murcha pelos desgastes da vida, para poder restabelecer forças para reiniciar um novo ciclo. Mas, não era uma vida plácida. Ele, sempre inquieto, saía a desbravar as redondezas em sua moto e muitas vezes me preocupava, por não saber seu paradeiro.

Hoje, já com oitenta anos e as “benditas” dores pelo corpo, está mais quieto. Gosta de ver televisão e muitas vezes, dorme e acorda ao ver seu filme predileto. Mas, não abre mão de desempenhar suas atividades: fazer as compras de supermercado, padaria, ligar a bomba para colocar água nas caixas e alimentar as cadelas.
Com o avanço da idade vamos aos pouco nos acomodando. Determinados valores vão se diluindo e os projetos perdem sua importância, tal o verdor das folhas que amarelam no outono e diante da inevitável aproximação do inverno, caem secas para adubar as flores de uma nova estação, uma nova vida.
Praia de Mauá, Magé, RJ, 23/09/2016

Benedita Azevedo

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